
POCKET SHOW Bardos (Viçosa/Tianguá – CE)
Os Bardos vêm desde de 2015 produzindo música autoral e independente na Serra da Ibiapaba. Em 2016 conhecem o Estúdio Mangaio Cultural, situado na cidade de Tianguá- CE, onde iniciaram as gravações do seu primeiro disco, intitulado HUMANUM, e por meio do mesmo estúdio tiveram a oportunidade de fazer parte do movimento artístico que viria a se chamar Selo Mangaio. O conjunto é formado por três integrantes, Paulo Marcelo (Voz e Guitarra), Francisco Gustavo (Voz e Baixo), Roney Souza (Flauta e Percussões) e Webert-San (Bateria e Percussões).
Eles entoam seus cantos como um anúncio de uma Era, como o prenúncio de um Porvir escuro e incerto, Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse aqui ganham a forma de Quatro Cavaleiros do Vir-a-Ser, o show que se divide em 4 partes, é o anúncio do imperfeito, as músicas do álbum Humanum ganham a tonalidade da emergência, o ritmo que o show ganha nos empurra para a beira do abismo de onde o Ser-Humanum forja seu (Re) Nascimento, os Cavaleiros do Vir-a-Ser anunciam o declínio do Ser e seu alvorecer, pleno de som e poesia.
O primeiro álbum da Banda Os Bardos desponta no cenário atual da música brasileira como um vento fresco. Humanum é uma lufada de ar que desce da Serra da Ibiapaba forte, encorpada e certeira. O disco pode até falar do calor dos sertões e dos personagens que o povoam, mas olha por cima do ombro de gigantes – moradores de um olimpo insuspeito e heterogêneo: Luiz Gonzaga, Frank Zappa, Ednardo -, e o que essa mirada oferece é um passeio por imagens vívidas que apontam sempre para o inescapável tema da humanidade, em toda a sua glória e miséria. Humano, demasiado humano, diz o filósofo. O quarteto prefere ir pelo caminho menos racional, o da poesia, acreditando que acima do chão e abaixo do sol, nada é estranho. E nessas veredas, vai criando em Humanum um repertório de histórias que contam do homem comum e de sua dor encoberta. Seguindo em alguns pontos a tradição trovadoresca (como em A Morte da Bela Maria), Os Bardos costuram sua narrativa com uma linha rústica, quase como quem tece um gibão de vaqueiro, mas sem esquecer que, mesmo a peça mais utilitária precisa de enfeites brilhantes, como as estrelas de prata no chapéu de Corisco e Lampião. No disco, os astros reluzentes sobre o couro cru são os ricos elementos de jazz, música latina e dissonâncias que entremeiam letras sustentadas por formas poéticas populares do Nordeste brasileiro. Uma sextilha aqui, uma quadra ali, e a armadura do bravo sertanejo vai se formando entre sons, silêncios, gritos de feira e cantorias de igreja. Armadura que pode ser uniforme de combate ou couraça contra as intempéries sociais de nossos dias.
Os Bardos não fogem à luta em sua estreia. No álbum, o conteúdo político vem, como numa farsa de Ariano Suassuna, fantasiado de cenário pitoresco e distante de um sertão que não existe mais, idílico e infernal. Mas não se engane, ouvinte de Humanum: os personagens do drama somos eu e você, do mesmo jeito que as criações longínquas daquele outro bardo inglês do século XVI falam mais sobre nós do que fala o barulho incessante e ininteligível das redes sociais de nossos dias; loucura sem método. Os desvalidos de Ao Capitão Corisco são a banda e nós a entoar canções em formas e ritmos que compõe nossa multifacetada identidade de brasileiros: o xaxado que vira maracatu e que culmina num frevo em Homogenesis (embalando uma letra que cheira à poética de Gilberto Gil); o fuzz no meio da feira de Fábrica Vida; o flerte com o reggae e o jazz em Folheto: Rio das Matas. Enfim. Humanum é quase barroco em seus detalhes de gravação e produção. É um altar sonoro pagão, fruto do imaginário da banda, sob a batuta de Paulo Sidnei Luz, o cérebro analógico à frente do selo Mangaio.
Para arrematar a pintura – que bem poderia ser “Os Retirantes” de Portinari – o álbum conta com as participações primorosas dos artistas locais Mestre Quincas, e sua eloquente rabeca na ode ao Capitão Corisco, e o violonista Hernandes Ninho que empresta um lirismo doído (como tudo que é verdadeiramente belo) a Homogenesis. Alguém dirá que é loucura lançar música de cores tão regionais em tempos cuja palavra da ordem é o apagamento das fronteiras culturais. O remédio para o descrente talvez seja lembrar que o regional é, na verdade, o espelho do universal: aquilo que reflete o vasto mundo na miudeza do cotidiano, da cor local. A propósito da empreitada da banda tianguaense, concluiria então aquele outro bardo, o inglês: loucura sim, mas tem seu método.